terça-feira, agosto 19, 2008
O pecado de Zen
Zen nunca tinha comido carne. Foi criado pelos parâmetros vegetarianos, onde mais que louvor à vaca, a carne era um elemento transgressor da saúde humana.
O ônibus da prefeitura havia passado por ele, rasgando o ar com o calor do asfalto. Poeiras grudaram na testa, penetrando em sua lente transparente. Um leve farfalhar balançou uma palmeira, projetada arquitetonicamente pelo paisagista municipal. Ouvia-se Fino Coletivo.
Ele batucava o mundo com a ponta dos dedos dos pés, presos dentro de um all star de R$ 49,90.
Outro ônibus da prefeitura havia passado por ele, rasgando o ar com o calor do asfalto. Pode ver ao longe o gasoso tornar-se líquido. Gás carbônico faz lacrimejar? – pensou.
Não estava atrasado, fazia hora no ponto para não ser britânico, achava charmoso chegar 5 minutos depois do combinado. Quando ele fez sinal para o transporte urbano, o ônibus da prefeitura passou, rasgando o ar com o calor insuportável do asfalto. Tão rápido e tão forte que um buraco abriu-se perante sua pessoa. Zen deu um passo à frente, agasalhado por substâncias urbanísticas tóxicas. Era um parque humano. Pessoas de 3 cm divertiam-se em montanhas-russas semi-circulares, carrosséis, barcas, aviões teco-teco, auto-pista. Sentiu o cheirinho do algodão-doce e lembrou que já era quase meio-dia. Com a velha técnica unidunitê, pegou um pequeno humano e o acariciou. Pele de brilho intenso, pensou. Digeriu o corpo. Sentiu o nervinho entre os dentes.
Enquanto degustava, fez sinal novamente para o veículo que levantava calor e que parou bem em cima do buraco. Subiu. Passou o cartão de transporte gratuito e sentou-se perto da janela. O peso do humano direcionava-se ao estômago. Estava com sede. Suas lentes de contato grudavam em olhos poluídos.
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terça-feira, agosto 12, 2008
A inconstância da alma selvagem
Ela espirrou e... desapareceu com a força.
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quarta-feira, agosto 06, 2008
O ventilador
Eu tinha ligado o ventilador na velocidade 1. E mesmo assim as batidinhas não paravam. Como se uma caneta bic insistente batesse na parede por vontade própria. Tentei respirar mais devagar como os faquires da Índia. Aí eu senti o plástico bolha na minha face, um por um. A tampa da caneta foi retirada. A tinta encontrou-se com as bolhas estouradas. Alguém gritara: "Sai, daí, nerd!"
Aterrorizado, desliguei o ventilador, pressionei o botão do ar-condicionado e abaixei as calças:
# Nerd o caralho! - respondi.
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domingo, agosto 03, 2008
Picadas
Ele correu. Pude ver do alto a grossura dos fios de cabelos esvoaçantes. Quando batia os pés no chão, a poeira invisível do asfalto subia em direção ao nariz. Invadia como fumaça. Lentamente asfixiante. Picando como batidinhas no nervo séptico.
Suas unhas latejavam. Estavam com cutículas grossas e sujeirinhas na sola do pé. Corria de chinelos. Subiam e desciam como se fizessem parte da pele. Talvez os produtos fossem parte da cútis. Como se adaptassem a anatomia para que melhor sugassem as partículas que o definiam humano. Talvez os produtos que vestia fossem ímãs. O papel imantado nada mais do que uma película de localização.
Mas ao correr, ele se despia. Jogava as roupas como papel picado. Porém as pernas não paravam. Os joelhos dobravam um pouco mais quando cada peça caía. Mas ele corria. Desesperadamente como em um ritmo programado. Não suava. Não tremia. A única coisa que o denunciava era a veia que anelava na testa. Ela pulsava com um quê de adrenalina que o apavorava. Passou por uma esquina onde uma farmácia fechada fazia promoção de laxantes com um pequeno número de malabaristas que cuspiam fogo. Ao desviar o olhar e o foco fugir de sua visão de campo, seus joelhos se embaralharam. Foi acertado. Ao deparar-se com a porta do estabelecimento que se fechava, viu o fogo subir e descer. Não o atingiu, mas a dor fechou seus poros. Por mais que ele fugisse, ela o pinicava. Agora era tarde, malabaristas cuspiam fogo e ele tinha o coração quebrado.
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