sexta-feira, janeiro 25, 2008
Bolas de soprar
Ela era uma pompoarista. Arremessava dardos para estourar bolas de soprar, fumar charutos, abrir garrafas, sugar e expulsar objetos variados. A prática desses malabarismos era boa para sua alma. Toda a pirotecnia vaginal fascinava sua avó. O máximo que avozinha conseguia era um chamego com a almofada. Perda de elasticidade total. O reino da gravidade.
Aconteceu no dia em que o frio causou chuva de iguanas em Miami. Enquanto caíam iguanas das árvores, adormecidas por efeito das baixas temperaturas, Maui presenteou sua querida avó com uma caneta USB que se transforma em MP3 player e rádio FM. A mãe de seu pai sorriu delicadamente. Nada como a sabedoria anciã para confortar o coração dos jovens. 225 reais foram depositados na mão da pompoarista. Mais tarde, a avozinha descobriu que havia um microfone embutido capaz de realizar até 32 horas de gravação. Ela caminhou lentamente, sentou-se em cima de sua almofada e debaixo do tecido acolchoado encontrou um post-it. Lembrou-se de sua amada neta e com sua CompuFlash Multifunction 1 GB Pen escreveu:
“Não esqueça de trazer a bateria do flashdrive. Com 3,7 V deve ser mais gostosinho”.
Tradicionalmente chamegou-se com a almofada até completar 32 horas de gravação.
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segunda-feira, janeiro 14, 2008
Os fios da Oi
Ele tinha as pernas cortadas. Cortadas com diamantes. Andava por um carrinho de rolimã a mostrar os dentes e coçar a orelha esquerda. Um fiapo de carne. Havia sido cortada por uma linha de pipa com cerol. As pernas era outra história. História de gângster de subúrbio, com a crueldade de facão. Mas com estilo tarantinesco.
Um dia desses tava trabalhando em um poste. Consertando os fios da Oi. Aí vi ele passar, flutuava em uma Ceci Poti, dropava se fosse surfista. Durou 1 segundo e meio para ver a carne se dilacerar e ficar pendurada. Larguei a escada e fui a seu socorro. Gelei de emoção. A pele tem cores diferentes. A carne é de uma tonalidade desigual. Sangue é como mar em dia de verão. Ele levou pontos e eu fiquei com a deliciosa imagem a futucar minha mente. Se eu pegasse um facão e cortasse simetricamente a carne, como a superfície de um diamante, ela traria novamente à tona a vivacidade das cores?
Deixei ele no portão de casa. As pequenas pernas torneadas não agüentaram subir à bicicleta. Eu enrolei o fio, botei a escada em cima do carro e ele veio se despedir. Trouxe um copo de requeijão do Vasco, com água fresca. Ela desceu pela garganta refrescando minha memória a visualização da carne das coxas dele. Lembrei que Hildoberto vendia falsos diamantes, que cortavam como navalhas. Perguntei se a orelha doía. Ele disse que não, só latejava. Perguntou se eu tinha dois reais para comprar uma Coquinha que na verdade não era Coca e sim Dolly Guaraná. Penalizado eu emprestei o dinheiro. Vi ele se afastar dizendo que a pior parte era saber que sangue não tinha cheiro. Ele não sentia. Eu fechei a porta do carro e liguei a ignição. Mas eu sentia. Além do cheiro do sangue a rodear minha memória, a cor explodia em minha retina. Meses depois dei de presente para ele um carrinho de rolimã. Ele já tinha pernas cortadas.
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quinta-feira, janeiro 03, 2008
A abelha que morava na concha
Nina acordava sempre às 9h32min. Acordava suada,em prantos pelo suor, em uma imensidão de calor insuportável. Era sempre verão dentro da concha.
E morar 24h dentro de um local quente proporcionava uma visão única do mundo. As gotas sudoríparas não fedem, o que proporciona mal cheiro são 1. os pêlos ou 2. as partículas que protegem a pele ou 3. as bactérias que se instalam na película e dormem agasalhadas com a umidade do ser.
Viver no calor requer sabedoria milenar. Sabedoria sim porque é necessário ter paciência, paciência para suportar não a dor, mas o derretimento. Zelo para tomar conta de seu corpo, cautela para agüentar o suor e calma para distinguir as etapas da quentura.
Você passa a amar o vento, mesmo que seja um sopro quente vindo do Pacífico. Você passa a agradecer pela sombra, mesmo que seja de um pé de romã. Você acredita no ditado de que a chuva refresca a alma.
Nina dormia todos os dias às 21h33min. Nos sonhos passava a madrugada a trabalhar em favor da noite. A abelha notívaga era defensora do frio e odiada pelas cigarras.
E quase sempre quando o calor chegava a um estágio de alucinação, ela se ajoelhava e olhava para o céu, implorando pela volta das estações do ano. E quase sempre o que recebia em troca era uma única gota de suor um pouco mais doce.
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