terça-feira, outubro 31, 2006

O menino que contava pingos

Dizem que há uma origem comum das línguas e dos povos e essa história nos remete a uma época onde as lembranças são fundidas a mitos.

Tempos imemoriais.

Tempo do menino que contava pingos.

Cao também gostava de desenhar nas janelas quando chovia forte. Ele imaginava uma terra inóspita do outro lado do vidro. Cao mandaria mensagens em símbolos para que os anões libertassem a princesa. Só ele saberia o segredo. Só ele saberia ler as palavras transparentes da janela.

Só ele contava pingos.

A mania começou aos 3 anos quando o pequeno filho de japoneses observou a goteira que saía do bocal da lâmpada da sala. A queda era rítmica. A partir daí sua percepção aumentou. Ele estava presente quando o pingo quase eletrocutou todos os familiares na noite de Natal. Foi graças à sua observação que o acidente foi evitado. Graças a ele também foi evitada a inundação do quarto da babá.

Os pingos eram avisos. Código Morse do além. Ou talvez uma forma de comunicação interna. Do seu eu para seu eu.

Naquela noite chuvosa seu dedo rabiscava na translucidez vitral e seus pais dormiam. Seus pais dormiam.

A luz piscou. Sentiu um arrepio na espinha. Cao repetiu o mote nordestino:

# O conto eu conto como o conto foi.

A luz falhou. 7 segundos depois uma nova respiração na janela. O vidro foi umedecido. Cao levou seu indicador à janela, mas recuou. A princesa estava sendo levada pelos anões. Cao bateu na janela, mas a chuva era forte.

Abriu a porta da casa e correu atrás de sua Alice. Suas pernas estavam fracas e sua respiração entrecortada. Os anões estavam sempre 100 metros além.

Cao começou a contar os pingos que caíam em seu braço. Os anões foram enfraquecendo. A princesa soltou-se e sumiu. Os anões petrificaram-se. Cao os pegou e os colocou no jardim.

Os pingos foram intensificados. Multiplicidade em um céu noturno.

Quando Cao acabou de ajeitar suas novas estátuas, ouviu o ranger da porta de sua casa. Olhou pelo vidro translúcido, tentou escrever mensagens, mas nada adiantou. O anão estava subindo as escadas em direção ao quarto de seus pais. Seus pais dormiam.

O anão olhou para Cao.
Cao olhou para o anão.

O pequenino retirou seu gorro vermelho.

Sinal de guerra.

Cao esmurrou o vidro. Contou os pingos, mas nada aconteceu. O vidro protegia o anão.



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segunda-feira, outubro 30, 2006

Eleitorado

Sérgio dentro de uma cabine de produtos íntimos.

É PROIBIDO EVACUAR AQUI.

Eu não fasso.
Ass.: Alguém.

E as pessoas ainda votam.



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sexta-feira, outubro 27, 2006

Borboletas no coração

A borboleta vinha alegremente pela calçada. Serelepe e sadia. O gari correu tanto assim ó e agarrou as sacolas de lixo do Guanabara. A borboleta balançava seu corpo feliz da vida.

Foi atingida pela sacola.

Morreu a caminho do lixão.



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quinta-feira, outubro 26, 2006

A hora do lanche

Era um hipermercado. E como todos os hipermercados, a organização era a mesma. O que diferenciava um do outro era o humor dos funcionários. Variava de ácido a irônico, passando por tedioso, fofoqueiro e inspirador.

12 horas em meio a comidas é enlouquecedor. Dizem que todos os funcionários de mercado são conspiradores. Eles odeiam a humanidade porque trabalham nos feriados. Falam sozinhos e as mulheres pintam as unhas na hora do lanche. Se você é simpático é aproveitador. Se você é antipático é grosseiro. Homens deveriam nascer mudos. Ou terem pênis de tarraxa.

Ricardo teve um dia cheio. Organizou, liderou, debateu, assistiu reuniões, almoçou em meia hora, teve aula particular de inglês, telefonou em espanhol, gesticulou em alemão e finalmente ia sentar para uma parada russa quando sua esposa telefonou.

# ... esteja lá em ponto, só vou começar com você.

# Mas eu...

Como resposta o som de uma ligação desligada. Eliane era direta. Em ponto significava chegar antes porque atraso era greve de sexo por um final de semana inteiro, com direito a macarrão mal cozido na sogra.

Às vezes ele achava que seria mais fácil se castrar. Tudo por causa de duas transadas por semana. Não, ele gostava dela. Gostava?

Largou o táxi no meio do caminho porque o engarrafamento era imenso. Correu por entre as ruas fedentinas em direção ao hipermercado perfumado. Passou por poças, buracos, pintinhos mortos e pedidores de esmola. 5 minutos antes. Perfeito. Ele colocou o pé no estacionamento e o tel tocou. Era Eliane.

# Amor, o Pedrinho vomitou. Você pode começar sem mim?

# Mas...

# Amor, eu to cuidando dele. Ah! Sua mãe usou aquela camisa velha de futebol para limpar a gosma. Eu mandei ela jogar fora. Compra outra aí, ta?

# Mas...

Era a camisa oficial de seu time, autografada pelo baixinho que ele tanto idolatrava.

O manto sagrado foi usado para um vômito de Fandangos?

Ricardo estremeceu só de pensar.
Se for do tipo milho ainda dá para salvar.

Antes das portas automáticas se abrirem, o telefone tocou novamente.

# Amor, deixa as verduras por último, ok? Vou levar Aline, sua mãe vai ficar com Pedro.

# Eliane, os fandangos eram...

# Bacon. Foi sua mãe que deu para ele, querido.

Ele entrou no hipermercado derrotado. Seu time ia perder o próximo campeonato.




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quarta-feira, outubro 25, 2006

Pérolas da idade

Conversa entre avó e neta.

NETA: Vovó, e como era a night da sua época?
VOVÓ: Não lembro. Muito lança-perfume.



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terça-feira, outubro 24, 2006

Chocolícia

Lygia abriu o pacote de Chocolícia. Usou a fita vermelha, mas ela quebrou antes de chegar ao fim, deixando metade do biscoito exposto. Ela odiava quando isso acontecia, era sinal de que o primeiro biscoito ia quebrar. Ela, mais do que ninguém, prezava o hábito de comer o primeiro para que ninguém roubasse seu namorado. A usabilidade às vezes trai o usuário. Estava ela saboreando o irresistível chocolate quando uma lúgubre buzina agrediu sua degustação.

A idéia de levantar-se e atender o visitante a entediava profundamente.

Duas batidas fortes na porta, seguidas de 5 toques na campainha.

Lygia tirou suas pantufas de sapo dos pés. Ao abrir a porta, levou um susto com o vulto que invadiu sua residência.

Paula, sua prima mineira, tinha Deltacid na mão esquerda.

# Eu tenho bichos na cabeça.

# Piolhos?

# Pior, bichos asquerosos. Eu encontrei centenas deles em minha cama. Estão em mim.

Lygia lembrou-se de seu nojo para com insetos. Ou qualquer coisa que invadisse seu corpo. Mas como dizia Graham Greene, dever é uma doença que se pega com a idade.

Paula sentou-se nervosa no puff laranja.

# Eu sinto, parecem cupins mutantes, Lygia. Eles não vão embora.

# Sintoma psicossomático, prima – remexendo a cabeleira – Não vejo nada. Só caspas gigantes.

# Vão tirar todo o meu sangue. Eu sei.

# Pelo cabelo, Paula? Duvido. Insetos vampiros?

# Estavam na sobrancelha.

# Você...

Sim, ela tinha jogado o líquido nos pêlos acima dos olhos. Suas pálpebras estavam inchadas. Paula se coçava veementemente. Quis jogar Deltacid no corpo, mas foi impedida por Lygia.

# Eu não agüento mais, Lygia!

# Paula, não há nada! Eu chequei!

# Você é míope?

# Não.

# Então, só os míopes enxergam melhor de perto.

A prima mineira andava de um lado para o outro apreensiva. Pruridos.

# Senta aí. Vou pegar o tel do dermatologista. Relaxa, deita no sofá.

Paula obedeceu. Ao encostar a cabeça esbarrou no pacote de biscoitos. Três se esparramaram pelo tapete felpudo. A mineira olhou para os dois lados, sacudiu a poeira invisível e os saboreou. Quando Lygia voltou, ela estava mastigando o último dos três.

# Chocolate. Relaxante. Afrodisíaco.

# Consulta para hoje?

# Sim, por favor.

# Como está?

# Engraçado, melhorou.

Paula observou a prima discar e agendar a consulta. Deliciou-se com mais um recheado, no fundo do pacote. Lygia desligou o fone. Paula abraçou a prima.

# Você é um amor.

Foi-se.

Lygia aconchegou-se em seu sofá. Foi espetada pelo biscoito. Havia um último.

Último sempre dá azar, pensou.

Mas era Chocolícia, então o devorou. De dentro do pacote, asquerosos bichos invadiram seu bulbo capilar. A coceira era infinda, pinicando cada película vital, futucando como cosquinhas irritantes, flutuantes entre os fios.

Ela roçava as têmporas com a mão. Também comprou Deltacid.



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segunda-feira, outubro 23, 2006

Papoulas de Bagata

Lara conhecia bem aquele bairro de sua cidade. Havia passado várias vezes em frente aos condomínios e prédios altos que mexiam com sua cabeça. Mas a única coisa que pensava estava acima de toda a altura e de toda a compreensão humana. Ela era feita de sensações.

Desde pequena, ela sabia que não poderia dizer não para tudo que o mundo lhe oferecia. Dirigindo seu velho carro azul, ela abaixara o vidro do veículo. O vento sulista estava quente.

O que se faz em uma estrada solitária é colocar os pensamentos para viajar. Então ela parou o carro. Bem ao lado do começo do morro. Subiu. A melhor vista da cidade. O melhor cheiro. A melhor memória.

Evitaria os clichês? Evitaria o minuto que se passa entre os olhos brilhantes? Veria o lado bom humano? Teria uma sensação de paz que a faria desistir da sensação maior? Colheria papoulas que se transformam em rainhas que cagam? Pensaria em Bagata?

A única certeza que tinha era que seu olfato administrava o ponto central. A memória poderia ser falha, poderia ser seletiva, poderia ser inventada, mas a sensação que o cheiro lhe trazia era verdadeira. O único órgão certo da essência humana. O óleo que alimentava as peles secas dos esquecidos. O humano poderia não lembrar, mas a sensação estaria lá, impregnada como um pedaço de alma descascada.

Pobre Aninha. Pobre Clara. Pobre Beto.

Mas haveria perspectiva para a escola no ano seguinte. Haveria gelo e nevada. Haveria canções de Natal, pessoas voltando para casa depois de um verão conturbado. Todo o mundo teria um final feliz porque a última pessoa que morreria seria o esperançoso. Haveria os sinos. Os filtros do sonho. As panelas de barro. Os compassos. As gaitas, o hálito em uma tarde de frio. Os livros. Os filósofos de esquina. Os homens que dormem de bruços.

Lara poderia ter chorado. Sentido falta de todos os fatores que trariam sonhos concretos. Mas ela não se pertencia. Era filha do dono do mundo e teria um rio só para ela. Não queria ver as crianças aprendendo matemática, nem o gari recolhendo lixo tarde da noite. Não queria mais ver as pessoas jogando papéis no chão, andando apressadas com guarda-chuvas coloridos.

Duas faces no horizonte, um beijo jogado para o ar, uma pintura dadaísta. A única coisa persistente era o cheiro, cheiro que a impregnava e a agarrava como um fugitivo em desespero coletivo. Um ser claustrofóbico. Demônios que invadiam o coração para pedir uma sangria. Um sacrifício.

Ninguém sabe.

Era primavera. Ela achava que ouvia sussurros. Era bom. Era uma canção de um amigo português. Seria um novo cheiro? Seria uma infinidade de cores e sensações desfocadas? Lara considerava improvável, porém possível. O rio a teria atravessado de qualquer forma se ela não tivesse se jogado.

Como eu disse, ninguém saberia. Era a sensação maior. O finito momento onde se descobria porque todo humano tinha medo de morrer. O finito momento secular que transformaria os mistérios e segredos em pequenas palhas secas, esvoaçadas entre cinzas. O finito momento para encontrar o toque pulsante da vida.

As papoulas de Bagata, entretanto, entenderiam.



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sexta-feira, outubro 20, 2006

Área 51

Ela preparou cachaça com alho. Colocou na geladeira por 3 dias. Bebeu em conta gotas por 20 dias. Em um mês, havia perdido 10 quilos. Era verão e Mariana precisava estar em forma para dar inveja às ex-colegas de escola no próximo encontro. Todas elas gordas, estressadas e com filho.

Adorava Boticelli, tinha certeza que havia sido sua musa em outra encarnação. Nessa, competia com Michael Jackson em termos de estranheza.

Os estranhos ouvem canções doces em metrôs lotados, cantarolam alto com pessoas surdas, repetem a dança do caranguejo na frente da televisão.

Os estranhos vêem sol em dias de chuva, acham duendes travestis e estalam os dedos e pulsos. Têm coração bom, mas são evitados.

Nunca, nunca usariam escovas de dente automáticas. Eles caminham com espuma na boca e quando a cavidade enche, cospem na mão até a chegada ao banheiro. Os estranhos conhecem Oingo Boingo.

Mariana se sentia perfeita no dia 01. Esbelta, ereta e sem menstruação. Tudo acontecia de forma encantada. Usava sua bata limão.

No dia 02 já não agüentava mais os papos sobre piolhos, vômitos e como o filho de cada uma era tão esperto e inteligente.

# Cada dia ele aprende uma coisa nova, vive aprontando.

Argh, ela pensou. Se ele não aprendesse seria retardado, idiota.

Mas não, ela sorria.

Sua vingança estava em sua gordura 0%. O milagre brasileiro, a cachaça. Pensou em abrir uma cachaceria dietética no Rio de Janeiro. Se havia pousada em favela, por que não um spa alcoólico?

No dia 03, as mulheres choravam mágoas sobre seus maridos. Onde estavam as garotas que ficavam com meio mundo, viviam em academias e colavam de Mariana? Onde estavam as festas, as saladas mistas, os campeonatos de handball? As rápidas fudeções em horário matinê?

Mariana despediu-se de todas. Aquilo a sufocava. Não teve pena, mas asco. Asco à condição do tempo.

“A vida como ela é”, disse sua ex-melhor amiga.

Meu Deus, nem os dentes elas cuidavam mais!

Correu, correu até que as batatas das pernas latejavam de dor.

Dia seguinte leu em um jornal popular que o sítio alugado pelo marido de uma para o encontro havia sido atacado por uma motobomba.

Mariana amassou o jornal e comprou um novo litro de cachaça.



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quinta-feira, outubro 19, 2006

Adolph, Jesus e Rosinha

Jesus e Adolph no limbo da Avenida Rio Branco.

J: Adolph, por que você executou milhões?
A: Eu consultei uma vidente.
J: E?
A: E aí ela me disse que uma flor ia acabar com o mundo. Refeições de um real.
J: Mas isso não é motivo.
A: Ah é? Pergunta pro povo! Não foi ele que te crucificou?



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quarta-feira, outubro 18, 2006

Carrapichos

Maya acordou com vontade de comer uva-passa. Virou-se de um lado para o outro para que a vontade passasse. Vontade para ser vontade tem que se manter distante. Mas o desejo latejava como a dor de cabeça que não é cessada com Dramine. Era um dia chuvoso, propício para a degustação da fruta. Maya já tinha até pensado nas próximas ações. Ela e um pote de uvas-passas, devoradas e mastigadas 37 vezes. Depois a língua roxa, seu dedo na campainha (sua mãe ainda usava esse nome: “Sua campainha está inflamada, Maya”) e um remédio para que uma nova vontade não chegasse. Pelo menos até o novo dia despontar e ela se encaixar perfeitamente na saia balonete.

Para que retirar uma costela se ela tinha o órgão mais natural do mundo? A unha de seu indicador quebrava facilmente. Sinal de enfraquecimento.

Despiu-se. Tomou banho. Vestiu o moletom. Pegou o elevador. Cumprimentou o porteiro. Balançou as chaves e atravessou a Voluntários da Pátria. O símbolo do HortiFruti sorria. Foi aplaudida por melancias, rodopiada por melões, assediada por bananas, mas a uva-passa continuava acanhada ao lado da maçã. Fruta da tentação.

Um passo e Maya sufoca as frutinhas dentro de um saco plástico. 2kg.

Quando abriu a porta do apartamento, o silêncio a espreitava. Quando rodou a chave na fechadura, trancando-se na imensidão silenciosa, ela ouviu o alvoroço. Vinha das paredes. Elas arranhavam a nova pintura.

Maya pegou o primeiro objeto que viu. Sua caneta Compactor preta agrediu a plasticidade do saco. Dentro, uvas-passas se amontoavam umas nas outras. O alvoroço continuava. Elas arranhavam a nova pintura, loucas pela aproximação.

A garota sentou-se rapidamente no sofá seminovo e agarrou as frutas. O silêncio amarelou os dentes. No movimento da mão à boca, a saliva uniu-se ao desejo. O gosto deu choque no maxilar. As uvas doces e secas. Cultivadas em todos os 6 continentes. Fonte de energia e sais minerais.

Maya e suas 37 vezes. Delícias na cavidade bucal. Durou 5 minutos a grandiosidade da sensação. Em 5 segundos o arranhar na nova pintura retornou. Sua mão estremeceu. O saco estava vazio.

A língua roxa. As gorduras localizadas que arranhavam a nova pintura invadiram seu culote. Grudaram na pele como carrapichos em roupas. Ela levou o indicador à boca.

10 minutos depois, com sua caneta Compactor, desenhou na pele do braço um dominó.

A vida é um jogo de melhor de 3.



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terça-feira, outubro 17, 2006

Para pessoas com necessidades especiais

Como protegê-los de todo o mal do mundo?

Lia havia fechado o zíper do filho. Colocado capuz na filha. Deu um guarda-chuva da Penélope Charmosa à caçula e outro de Superman ao mais velho.

Estariam eles protegidos?

Lia tomava todo o cuidado possível com suas crias. Pediatra uma vez por mês, seguro contra incêndios em casa, natação supervisionada por um profissional doutorado em educação física. Alimentação balanceada por uma nutricionista canadense, plano de saúde em dia. Verificação capilar quinzenal. Eles só brincavam com amiguinhos da escola. Instituição com guarda-costas, piscina aquecida e chão de mármore. As crianças nunca estavam descalças. Assistiam a óperas e teatro. Cinema só em ocasiões especiais. Documentários só educativos, desenhos só sem violência.

Teriam um mundo perfeito.

Sua mãe se arriscaria por eles. Enfrentaria o trânsito por eles, ficaria doente ao invés deles, sentiria frio para aquecê-los, injetaria tóxicos em suas intravenosas para contar belas histórias.

Lia colecionava momentos. Um por um. Quando não estava a coordenar limpezas, estava a vislumbrar lembranças. Se pudesse estudaria com os frutos de seu ventre, mas os filhos precisavam de privacidade. Além disso, havia câmeras escondidas. Não tinha que se preocupar. Estavam seguros. Qualquer coisa era só dar um REW, STOP, fazer o conserto ligando para a escola e PLAY de novo.

Lia esperava os filhos acomodada no grande home theater. Acordara com vontade de celebrar o momento. Ia apresentá-los a Bambi quando sua caçula interrompeu o momento em prantos. Na mão do mais velho o guarda-chuva da Penélope estraçalhado e envergado.

O menino estava pálido. Olheiras profundas, mãos trêmulas. Lia chamou os médicos, mas nada diagnosticaram. A menina tinha pulso fraco. Deram dois dias para os dois, sem esperanças.

Lia desesperou-se. O que faria sem eles? Onde tinha falhado?

Levou as crianças para sua cama King Size. Fechou as cortinas brancas para que o Sol não incomodasse os pequeninos.

# Mamãe sempre estará aqui, crianças.

A pequena menina ainda quis soluçar, mas seu último suspiro fez a mãe baixar sua cabeça. Envolto ao pescoço de Lia um pequeno cordão com uma cruz de ouro branco. Ela olhou para seu mais velho, mas ele fraquejara também.

Estava sozinha?

De repente, uma pequena mão atinge seu pescoço. O coração da mãe pulsa intensamente.

É um milagre.

Outra mão. As crianças tentam abraçá-la. Ela enfim chora. Dos pequenos sorrisos de dente de leite uma protuberância afiada atinge a jugular da mãe.

“Deus”, pensa Lia.

Mas Ele já tinha virado à esquina.



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segunda-feira, outubro 16, 2006

O mágico

Luis era um mágico de beira de estrada. Aprendeu os truques pelos odiados circos mambembes. Desde então, peregrina atrás de ilusões, sonhos alheios e vontades próprias. Não faz testes astrológicos nem aceita propina. Nunca votou, mas lançou um livro, patrocinado pelo Sesc, sob sua posição política.

Aprendeu a ler com 4 anos, obrigando seu tio-avô a comprar gibis. A magia que aprendeu o ensinou a olhar a vida com gestos singelos e atitudes humildes. Para ser encantador é necessário um perfil misterioso. Uma boa dose de discrição. Andava pelas ruas flutuando, com passos silenciosos que tocavam o chão de areia sem agredir o ambiente. Atacava o ar com palavras bucólicas e movimentos simples.

Sobrenadar a atmosfera requer tato. Requer percepção sonora. Hipnotização de cílios. Um grau de encantamento sobrehumano.

O mágico é maior escutador do mundo. Ele sabe quando a porta rangerá, quando o violino parará de tocar, quando a pomba branca irá defecar acima de cabeças pueris. Luis veio ao mundo para criar ilusões. Confundir e surpreender. O ilusionista te mostra o que é impossível acontecer. Ele reafirma sonhos e te leva para o dia em que você ainda tinha toda a força do mundo.

Luis peregrinava na confusão dos sentidos, renomeando o contar da história. Celebrou a liberdade perdida. Foi responsável pelo poder da imaginação. Difundiu-se no ar e acabou como pó encantado. Foi mal-entendido. Voltou a ter todas as crises existenciais humanas.



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sexta-feira, outubro 13, 2006

Dry Martini

Natalí Serrazine odiava palhaços. Tinha complexos de Billy, achando que eles eram todo o mal existente do mundo. A cara borrada, as roupas brilhantes, a risada demoníaca. O nariz era vermelho sangue. Sabia da existência maligna deles, mas só comprovou depois de assistir Palhaço Assassino. Ou seria Um dia de terror? Odiava ir à festas infantis de 1 ano com tema de palhaço. Os humanos diziam que trazia sorte. Para ela era tortura milenar.

Tudo piorou quando, na festa de fim de ano, seu chefe montou um circo. O insuportável globo da morte, os magrelos trapezistas, os ursos raquíticos, os pierrôs amaldiçoados, as bailarinas anoréxicas. E a presença do temor maior: o palhaço coisa ruim.

Ele pipoca igual algodão-doce na chuva, molhando tudo, grudando em todos. Com calças de bolinhas, cabelo de boneca, pele branca. Natalí queria se transformar em mulher bomba e matar o carequinha.

O chegou chegou tá na hora da alegria foi engolido a seco. Ela pediu um Dry Martini.

A buzina agonizante estava na mão da coisa ruim. Ele pulava igual canguru com hemorróidas. O estômago de Natalí embrulhou.

“No circo tem palhaço, tem tem todo dia. No circo tem palhaço tem tem todo dia”.

Passou um ovo de codorna à sua frente. Deslizou garganta abaixo. A coisa do mal estava na piscina de bolinhas. Seu chefe estava com Dorinha na cama elástica.

Natalí tomou mais um Dry Martini. Foi parar na sua mão um garfo.

O horror demoníaco ainda estava entre as bolas coloridas.

“Desfrute cada dia!” era o que seu pensamento latejava. Como curtir alguma coisa com um ser maléfico à solta? Ele soltou uma gargalhada do inferno de Dante.

Mais um ovo de codorna e um Dry Martini. Natalí passou pela algazarra circense, em direção à piscina de bolinhas. O eco da risada ainda zumbia. Levantou a mão e cravou o garfo no nariz do palhaço. A ira a possuiu.

Um segundo e todos pararam. Dois segundos e a gargalhada foi geral.

O garfo era de plástico.



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quinta-feira, outubro 12, 2006

Abduzida

Juliana vestiu seu keds. Era um dia frio. Vestiu seu casaco de lã cor de abóbora e sua saia quase crente. Usava uma mochila bege e uma pasta transparente com elásticos rosas. Seu keds não tinha cadarços. Desceu em Thomaz Coelho. Caminhou pela Alameda Engenho da Rainha. Foi importunada por duas criaturas verdes. Um deles, provavelmente do sexo feminino, tinha argolas gigantes prateadas. Ele tinha um pênis humano, envergado para direita. Ela, peitos de silicone. Juliana ficou chocada. O máximo que tinha chegado a isso era ver um filme depois de Altas Horas no canal 7. Mordeu os lábios, cortou-se com seu aparelho. Os ets a abduziram. Dizem que seu clone raptou a Tiazinha porque ela depilava o ânus.



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quarta-feira, outubro 11, 2006

O homem que comia artrópodos

Estava paralisado. À sua frente uma barata. À sua esquerda uma aranha. Acima de sua cabeça um mosquito. Ele havia saído da fresta de sua própria casa e estava imóvel de pavor. Sua pele estava fina, coberta por lamelas desenvolvidas e divididas. Corpo deprimido, membros desenvolvidos e cauda robusta. Acordou lagartixa-doméstica-tropical.

Ramos se desesperou. Foi tirar uma soneca porque estava chovendo e agora estava andando na infiltração de sua própria casa.

Eu deveria ter usado argamassa.

Seu pensamento foi tomado por um tipo de vertigem saindo de suas pálpebras ausentes. Achava que era sua posição na parede. Quando percebeu, seu corpo havia se aproximado lentamente da barata, capturada com uma rápida mordida. O aracnídeo se afastou e o mosquito voou. Enojado, Ramos mastigou o artrópodo. Era um controlador de praga doméstica.

Correu para o banheiro. Queria escovar os dentes. Encontrou sua mulher tendo relações impróprias com o papel higiênico.

Vaca! Ela disse que estava com dor de cabeça ontem.

A aranha estava perto do basculante. Não conseguia mais se controlar. Teve o impulso assassino. Faleceu a aranha. Seu estômago ainda doía.

Ah! O ecossistema! Foi para o quarto e engoliu todos os mosquitos. Viu sua mulher trocar de roupa, com as salientes gordurinhas localizadas no púbis cabeludo. Muitos buracos na bunda. Preferiu caçar larvas de inseto.

Seu filho fez uma casinha de papelão para ele no dia das crianças.

Vida de carochinha nunca mais.

Surpreendentemente o fruto de seu ventre o transformou em lagartixa cotó. Ele era um homem de sangue frio, mas desmaiou ao ver o rabinho balançar sozinho do outro lado da sala. O último som foi a risada de sete anos.



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terça-feira, outubro 10, 2006

Encantação lunar

# O mundo é búzio oco, menino.

F. abriu os olhos. Era o sonho mais esquisito que já tivera, porque ele podia jurar que a voz ainda estava em seu quarto, agarrada ao travesseiro, sussurrando na concha de sua orelha.

Deveria ser a encantação lunar. Virou-se para o outro lado, deixando sua pele ser absorvida pela textura do lençol.

# Tu estás na reta horizontalidade da morte.

F. deu um pulo da cama. Apertou o interruptor. Nada na superfície se mexia. A voz era tão nítida quanto um suposto gongolo em seu tímpano.

Respirou profundamente, inalando o ar de sua bombinha. Ele era o único asmático que conhecia. Essa doença era para os Porky’s dos anos 80 e ele vivia já no século 21. A doença escolhia a dedo os infortunados. Ele era um contemplado.

F., asmático, BV e com tendências anêmicas.

Dormiu sentado perto da saída do cômodo, travesseiro enrolado nas pernas.

O dia vinha desde o princípio do mundo. E com ele, o despertar humano.

Foi a tarde outorniça que fez F. lembrar dos búzios na crosta das pedras litorâneas. Pedalou durante uma hora, até ouvir o selim ranger.

Não sabia nadar. Tinha que tomar cuidado. Quem sabe se colhesse os búzios não poderia ler sua sorte? Ele acreditava que sua vida poderia ser moldada conforme a escolha de seus lápis. Talhados a canivete ou a apontadores. O que não podia era deixá-los cegos. F. precisava descobrir a direção. Os búzios o guiariam.

O limo das pedras havia crescido desde a última vez que estivera ali. Era preciso atravessar somente as pedras para colhê-los.

Lugar estranho para ter búzios.

Entre as duas pedras, ouriços.

O all star é o melhor tênis estiloso do mundo, mas é também o mais escorregadio. Quando F. percebeu, seu pé esquerdo tinha deslizado e agarrado entre os ouriços das pedras.

Ele puxou o pé e jogou-se para a outra pedra. Colheu os búzios ocos ofegante e na volta pisou em falso. Caiu.

F., asmático, BV e com tendências anêmicas.

Mãos cheias de búzios. Roupa encharcada. Água salgada. Desespero de quem não sabe nadar.

A água chegou até F. calmamente, mas a agonia do menino a revoltou. Ela tentou abraçá-lo, mas ele esticava os braços. Tentou jogá-lo para as pedras, mas ele quis agarrar o musgo e escorregou. Ela quis impulsioná-lo, mas ele afundava porque mexia muito. A crise foi ativada. Ele abriu a boca para que ela entrasse. Os búzios foram soltos. A respiração tornou-se esporádica. A água rendeu-se e penetrou nos poros de F.

BRIAN F. O’Connor
2-3-84
15-9-96

Os búzios foram encontrados agarrados nos cadarços do all star.



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segunda-feira, outubro 09, 2006

O dia em que sonhei com minha morte

Morrer é congelar-se em um momento de sua vida. O momento que você agradece por ter o momento.

Morrer é um flashforward de impulsos nervosos. É o abraço naquele que você mais ama, mesmo ele ainda não existindo.

É ter uma vida bela e ver a morte bela. A beleza onde se pode lembrar dos sopros passados e assistir à movimentação dos futuros no ventre de quem fica.

Morrerei abraçada à Clara. Minhas palavras terrestres serão os nomes dos amigos que no momento final não abracei.

Perdoarei meu pai por não ter me levado à sorveteria, mas por ter dado à Clara um pirulito quebrado aos quatro anos.

Amarei relembrar como fui feliz ao fugir com quem amei. Correr no chão de terra. Beijá-lo. Ter os cabelos longos, livres ao oxigênio.

Na minha morte, eu congelei a vida. E na vida, congelei morrer em palavras. A paralisia carnal é a expansão do fluxo das idéias. A carne apodrecerá, sofrerá pela gravidade, os familiares chorarão, mas eu terei a vida mais bela do mundo.

Morrer não é um efeito espiral, é um déjà vu da Matrix. Um efeito borboleta. Meu corpo dormente e minha vida em imagens.

Um adeus entorpecido.



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sexta-feira, outubro 06, 2006

Linus Van Pelt

Leandro era um menino que adorava assistir Peter Pan. Cresceu junto com os episódios de Linus Van Pelt. Da série de tirinhas, guardou as respostas para suas crises existenciais. A crença de que na parte adormecida do cérebro há respostas para os problemas. As dúvidas são equações matemáticas incompletas. Só existem porque os números foram alterados.

Leandro grita às vezes nas ruas desertas. Cantarola Oasis e se diz pertencente à outra década. Os anos passaram e ele não morreu de overdose. Ironia do destino. Seus amigos eram coroas que foram ao Woodstock, que pregavam paz e amor em sanitários. A não-violência verbal. Morreram de cirrose, câncer, diabetes ou coração.

Ele vê os aglomerados passarem pela televisão. Casas de tijolos sem pintura, aparelhos comprados no Ponto Frio, luz de gato e roupas coloridas penduradas no varal, presas por pregadores de madeira.

O país afundou-se em reeleições. Cuspiram na democracia. Abrasileiraram o impeachment. O voto transformou-se em obrigação punitiva. A minoria vota no candidato que tem menos chance de ganhar.

O teto das casas cai. O emboço também. Bete Pimentinha pergunta o que é o amor. Snoopy pode ser comprado no Mcdonald’s. Ganha de brinde fritas, cheeseburger e um refrigerante de cola pequeno.

Leandro picou os girassóis com uma tesoura de jardinagem. Espalhou as sementes na caixa postal de seus vizinhos. Um menino como ele deveria ser preso por incitar harmonia.



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quinta-feira, outubro 05, 2006

O guarda noturno

Tornou-se guarda por paixão. Adorava usar jaqueta de napa preta e boné dos Yankees. Não sabia o que Yankees significava, mas achava a palavra bonita assim mesmo. Adorava palavras com Y.

Embaixo da jaqueta, uma camisa mostarda. Cinto preto, calça preta, meias brancas. Sapatos brilhantes com a boa e velha graxa.

Adorava expulsar os drogados com um “Posso ajudar?” Fazia ronda com orgulho. Tinha uma cruzadinha Coquetel para os dias chuvosos. Sua arma era seu walkie talkie e sua barriga de churrasco de fins de semana. Potente, era só empiná-la que adolescentes se afastavam.

Usava uma diferente colônia Natura a cada 15 dias. Encantava-se com Roberto Carlos. Ele e a mulher sempre iam a seus shows.

Aí veio a reeleição do país. Bolsa escola, camisetas gratuitas, santinhos penalizados. Foi substituído por dois garotos de 20 que matavam turnos de sexta-feira e ganhavam menos.

Aposentou-se. Nunca mais votou.



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quarta-feira, outubro 04, 2006

Piranha do Leque

Também conhecida como Hello Kitty. Tinha uma imensa cleção. Fundou o dia da boneca que não tem boca porque fala com o coração no Japão. Todo ano seu aniversário tinha o mesmo tema rosa. Ela importava tudo. Chicletes, balas, chocolate. Não comia, guardava.

Tinha um imenso leque rosa e preto. Ia aos shows com ele. Abrir o coração dos fãs. Ele foi útil no show do Hojetaka. Abanou multidões na sessão de fotos de Camatena. Foi capa do segundo caderno no Dia Mundial dos groupies que acampam em hotéis. Era uma fã doce, dedicada e respeitada. Tornou-se a Piranha do Leque. Se produzia e arrastava aglomerações com seu poder braçal encantador. Era só abrir o leque que o povo se encurvava.

Almoçou com os Seteçadas. Nadou na piscina do Palace com os Lobrinras. Era uma diva.

Aí o leque quebrou. O fã clube se desfez. A Hello Kitty saiu de moda. Logo depois surgiu a Piranha do Guarda-Chuva.



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terça-feira, outubro 03, 2006

Lojinha de brinquedos

O trem apitou. O soldado bateu palmas. A bailarina rodopiou. O Fofão piscou os olhos. João e Maria na casa de chocolate. Um, dois, três, era uma vez...

Era uma vez um casal de gêmeos, Teresa e Nando. Idênticos, diferentes somente pelo sexo. Canhotos, tinham um olho castanho e um verde. Adoravam comer na Brownieria, depois de visitar a lojinha de brinquedos. Eles sempre encontravam a loja vazia. As crianças da redondeza tinham medo da loja. Diziam que havia almas presas nos bonecos. A lenda era de que o Fofão tinha uma faca na barriga e que à meia-noite a usava para extirpar barrigas infantis repletas de doces. Teresa e Nando não comiam doces, só brownies.

Não eram atingidos por maldições. Eles é que espalhavam os feitiços. Adoravam ver a cara dos pequenos, espantados com as histórias dos brinquedos vivos.

Todos os dias chegavam na Brownieria com vale 10 brownies. Cansados das perguntas das crianças, resolveram testar os espíritos presos.

Nando trazia na mão uma folha branca. Teresa um compasso grande. Azul. No meio da loja sentaram no chão. Desenharam as letras do alfabeto ocidental. Mais: do bem e do mal.

Não sabiam invocar, então gargalharam. Márcio passara na frente minuto antes e arregalara o olho quando avistou o compasso. Correu e chamou o máximo de testemunhas possíveis. Menores de 1,50 se encurvavam para ver o acontecido. Teresa, cética, zombou dos brinquedos. Nando segurava o compasso quando um trem começou a apitar. As testemunhas afastaram suas testas do vidro da loja. Queriam ver, mas não queriam participar. O sorriso de Teresa fechou. Ela balbuciou palavras da língua portuguesa.

# Você é do bem ou do mal?

O compasso riscou a folha. As testemunhas nem movimentavam os cílios. A ponta do dedo de Nando tremia.

# O que você quer, espírito?

B

# Teresa, troca de lugar comigo, não quero mais segurar isso.

R

# Não, Nando.

O

# Por favor.

W

# Você começou, você termina.

N

Mais testemunhas se aglomerava.

I

A rua esvaziava. E o vidro da loja enchia.

E

O compasso rabiscou a folha. Teresa e Nando correram. As testemunhas infantis começaram a gritar.

BROWNIE!

Tíquetes caíam do teto. Todos valendo 10 brownies. A porta não abriu.

As testemunhas quebraram o vidro. Teresa e Nando saíram rapidamente enquanto que os brinquedos zumbiam brownies.

A Brownieria fechou. Não havia mais clientes.





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segunda-feira, outubro 02, 2006

Primeira vez

Laura cruzou a rua, em direção à esquina. Trazia uma sacola de pães de queijo do Rei do Mate e um suco de acerola. Usava rabo de cavalo, preso por uma presilha paraguaia. Estava feliz porque tinha passado no vestibular, porque havia ganhado seu primeiro salário, porque havia emagrecido um quilo.

Seus seios balançavam livres em uma blusa azul clara. Enrijecidos por um vento ameaçador. 15:30 e a rua estava deserta. Todos dormiam à moda da sesta da cidade. Ela estava inquieta, então atravessou a cidade para comprar pães na cidade vizinha. Não havia entrega em domicílio porque a cidade dormia por duas horas.

Laura havia tomado o comprimido da ansiedade. Suava excitada só de pensar que deixaria seu lar. A cidade adormecia e a menina de rabo de cavalo sonhava com as festas da faculdade, os trotes, as roupas dos calouros.

Foi logo depois de 14:45 que teve seu cabelo puxado. Homem ou mulher lhe deu um soco, deslocando o maxilar. Foi arrastada até o estacionamento do primo de sua tia. Cortaram o bico de suas mamas. O sangue escorreu umbigo abaixo. Foi lambida por um órgão não-humano. Uma unha afiada cravou-lhe as costas. O pulmão foi perfurado. As orelhas arrancadas por dentes. Olhou o céu por 3 segundos. Andorinhas iam para o sul.

Nascia o primeiro serial killer brasileiro.



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